sábado, 21 de abril de 2007


Viagem de Outono

Ares estrangeiros,
Corações náufragos,
Na ventania, nos nevoeiros.

Trágicos, inocentes,
Buscam as folhas secas
De velhos Outonos.

E no farfalhar das folhas,
Zumbem saudades,
Resgatando outras,
Antigas estações.




Daniel Rubens Prado,
Outono de 2007.
"Quando eu piso em folhas secas..."
Fotografia: Autumn Leaves 2,
Por Chris Neale

sexta-feira, 13 de abril de 2007

A subalterna leveza
Que música poderia me fazer sentir isso? Talvez um Tony Bennett, um Pizzarelli... um desses nobres passistas que dançam entre acordes quase-fáceis. Sinto-me leve, apesar de não respeitar nenhum regime, nem os autoritários, nem os que ficam colados nas portas de geladeira.

É muito chato ouvir qualquer pessoa dizer que está se sentindo leve... como se quisesse (e não precisasse) pisar em ovos, sem por isso sentir qualquer tensão, só prazer, tesão. Não é bem isso, não é uma do tipo: "ei, estou leve, e quero gozar disso, sem sequer ouvir suas penúrias, seus tropeços, sua falta de grana no fim do mês". Nada disso. Não passa de um sentimento bom, que apareceu enquanto mirava a tela branca, ávida por um ponta-pé inicial; e veio. A subalterna leveza do ser.

Sou o chefe da minha boca, e ordeno que ela me satisfaça. Ela inteligentemente obedece. Entram goles gelados, quentes, ardentes. Saem notas dissonantes, gargalhadas, frases boas de serem ditas. Entra ar. Sai um assovio aliviado. Adoro encontrar a outra, com ela, e sentir "o beijo", como se cada fosse último, eternos últimos beijos.
Dizem que sou sanguíneo. Quem é classificado assim precisa reconhecer que gosta dos prazeres momentâneos, daqueles que vem pela boca. Os sanguíneos são aparecidos, elétricos, ousados, pouco inteligentes mas conquistadores. Digo que sim, mas digo mais: estou gostando da leveza que me pegou... e isso, espero, deve ser menos instantâneo que uma mastigada num belo e gorduroso naco de picanha.

Algumas pautas andam preocupando os pseudo-adultos, os que rodeiam os 30 anos. Algo parecido com "O sexo termina depois do casamento". "Exercícios diários são im..pres..cin..dí..veis para se ter uma vida normal e saudável, para não mór..rer infartado". "Fumar causa câncer da subgengiva intrareumaticulosa do retoacoidal anal superior (rs.)". "Beber é ruim". "Comer é ruim". "Sair de casa é ruim e ficar nela é pior ainda". "A cultura de massa aniquila neurônios". E eu, hoje, faço uma banana para todas essas coisas brochas e saio pelos quarteirões de BH chutando pedrinhas, curtindo uma respiração leve.
Tenho que cumprir um cronograma e estou leve. Tenho que ser um filho presente e estou leve. Tenho que destinar uma boa fatia do meu salário para pagar contas descontroladas. Tenho que atender uma paulista nojenta do Carrefour São Paulo, que fala tendo em mãos um cheque, assinado por mim, borrachudo que é uma beleza, de poucos reais, e dizer para ela: "sim, claro, estou ciente que devo... claro, vou pagar no dia em que receber de novo, talvez dia 20, talvez no quinto dia útil do próximo mês, talvez, minha querida, nunquinha da silva, se você continuar a me encher o raio do saco com essa voz anasalada, pô. Tchau!". Começo leve, sinto que pode pesar, abro a caçamba, descarrego, e dou um ‘tchau’ já leve outra vez.

Farei isso então: contarei do prazer que é se sentir e se permitir leve. As coisas vão ficando mais fáceis, até mesmo preencher um novo documento em branco e perceber que está com a agenda cheia de coisas para cumprir.

Talvez uma música transmita esse sentimento. Talvez não, não importa. Eu quero continuar...
Beijos gostosos, leves, carinhosos à turma do Eutanásia.

Bruno Sales
Outono de 2007

Imagem: Aluísio Martins

terça-feira, 3 de abril de 2007

A filha do tenente coronel


Nunca soube o que ela realmente ia fazer no prédio.

Quem sabe, filha dedicada e carinhosa, viesse ver o pai. Todos os dias, no mesmo horário.

Chegava sempre à tardinha. Como convinha ao estagiário.

No mesmo horário, ele fazia uma boca de pito em frente à empresa.

Ela vinha séria, uma graça vestida de silêncio.

Poucas vezes se entreolhavam. Ele, rendido, encantado. Do jeito que mais aprecia: pele clara branca alva, de deixar o sol sem graça. Cabelos pretos, catarata de luz negra escorrendo ombros abaixo. E, finalmente, proprietária consciente de absoluta timidez.

A moça chegava e pegava o crachá. Identificação presa à roupa, sorria para as recepcionistas, tomava o elevador. Sumia como se nunca houvesse chegado.

O estagiário caía em desvarios, sonhos, quereres. Achava que, quem sabe, um dia formariam um belo casal.

Embora nunca tivessem trocado uma palavra, nunca se esqueceu da suavidade com que ela pisava o solo nada nobre da Avenida Amazonas.

No momento esse, o centro da cidade de Belo Horizonte aspirava, gentil, os leves ares de todas as primaveras.

Os mesmos ares que os daqui aspiramos, nas manhãs de setembro, quando as brisas descem da Serra do Curral e deixam a Savassi morna e suntuosa como a moça que vem todo dia.

A filha do tenente-coronel.






Daniel Rubens Prado,
Outono de 2007.
Sol forte.Suco de caju com pastéis no meio da tarde.

Imagem: Gee!! I Wish I Were a Man,
By Howard Christy.