quinta-feira, 9 de julho de 2009

A Casa dos Pais


Botaram plantas e flores e peixes e pedras e cimento e motor e grama. No que antes era nada fez-se fonte cascata barulhinho de água - pequena cachoeira: tem quintal na casa dos pais. O quintal da casa dos pais tem chão fértil que aceita tudo, árvore flor passarim. Qualquer bocado de vida multiplica, vira calango joão-de-barro orquídea tucano banana peixe galo manga formiga. E mais.

O pai acorda cedo, a mãe dorme tarde. Os dois. A casa dos pais, onde o amor nasce bruto, lapida os sentires todos: conversas sorrisos silêncio afetos escolhas verdades ação e cochilo depois do almoço. Algumas caseirices teimam em pontuar os encontros e isso é bom: a casa dos pais acorda os sentidos e os porquês.

Criança tem. Duas. A casa dos pais é também casa de avós. Balanço mora no galho generoso da mangueira, brinquedos espalham alegria cor e bagunça pelo chão. A mãe-avó faz as vezes de professora para a neta mais velha e despe-se de adultices pra brigar – como se dois ou três anos tivesse – com a neta mais nova que sabe bem o que quer. Pai-avô é só ternura, embora se porte feito pai mandão que nunca fora quando alguma das netas se esborracha no chão.

O sol entra de manso pela fresta da janela. O dia corre pelos jardins, passa rápido, ora leve, ora agitado e a noite deixa todos ainda mais tagarelas. A mãe das pequenas ri. É mãe, irmã e filha. Tudo junto e separado, é mulher, ainda. E menina. A irmã do meio é todo um universo. Chega sempre com descobertas e traquinagens. Sempre fora assim, dada aos prazeres. Descobriu outro dia que vai viver mesmo assim, cercada de brincadeiras. A mais velha tem mais dúvidas do que respostas, mas gosta, vez ou outra, de botar reparo no entorno. E tenta fazer disso alguma poesia.



Texto: Val Prochnow.
Imagem: Quintal da Vovó, por Ronaldo Golveia.