segunda-feira, 31 de maio de 2010

MINHA CONFISSÃO


Não pude trazer ternuras
para enfeitar os teus olhos,
nem bondade, nem carinho
para a tua mocidade.
As minhas pobres palavras
são modeladas de acordo
com a vida em que me criei.
Por isso não sei dizer
as palavras (talvez inúteis!)
pra fazer teu coração
bater, depressa, de amor
e acender nos teus olhos
o brilho da alegria.
Sou bruto. Sei machucar-te.
Dá-me tuas mãos! Vou quebrá-las!
Quero morder os teus lábios,
apertar com força teus seios,
dizer-te bem alto: quero!
E depois, quando chorares,
direi, do canto do quarto,
vendo teu corpo ferido:
- teu choro não tem razão...
E de encontro à parede
quebrar-te-ei os ossos
até ver o corpo
desarticular-se!
Sou filho de gente bruta!
Minha ternura não serve!...
Confissão: Clemente Luz.
Imagem: Arquivo Correio Brasiliense.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Vaso quebrado


Uma vez eu estava num bar, na companhia de dois músicos geniais, sessentões. Eles conversavam com um olhar de admiração mútua. De repente, constataram e concordaram entre si: “A vida é um sonho, quando a gente abre os olhos, ela já passou”. Nunca me esqueço dessa cena e dessas palavras. Naquele momento, era uma nostalgia que me parecia distante. Eu, diante deles, com mais metade da idade, não tinha me dado conta da verdade que ali se apresentou delicadamente.

Algum tempo depois, não muito, tantos foram os acontecimentos. Mudanças de casa, no trabalho. Novas amizades. Chegando filhos de amigos, velhos companheiros indo embora. Alguns casamentos, alguns rompimentos. Lágrimas de tristeza e de alegria. A vida seguindo o seu ciclo de altos e baixos. Esse ritmo sempre guiado pela minha essência; uma pessoa extremamente apaixonada. Intensa. Talvez por isso tantas lágrimas, tantas mudanças. Uma dose a mais de drama aqui, uma euforia exagerada ali.

A vida corre mesmo. A minha então… A essência fica, mas o vento que bate na cara, nas descidas bruscas dos baixos passa transformando. Algumas coisas mudam. Eu queria dizer que somos lapidados. Mas isso remete a um pedaço bruto que vai se tornando uma obra prima maravilhosa. Nem sempre é assim. Às vezes, coisas bonitas são perdidas. Como aquele vestido lindo que comprei e que ficou deslumbrante, mas que não foi usado no dia e, agora, já não serve mais. Pode até ser que sirva de novo um dia. Mas não vai mais causar aquela sensação de parecer ter sido feito para mim, para aquele dia. A gente vai mudando sim. E o que um dia não parecia ter grandes efeitos, de repente fica. O que machucava e sarava já não sara do mesmo jeito. Sabe quando a gente tira casquinha do machucado pra ficar livre da marca rápido, mas só o que faz é sangrar de novo e aumentar a marquinha? Feito um vaso quando quebra e a gente tenta colar. Pode até ficar inteiro. Mas sempre vai ser um vaso quebrado.

O tempo implacável, nessa roda viva e gigante, deixa de herança lembranças. Às boas, cabe o alento nas horas mais difíceis, quando as ruins insistem em criar uma carapaça em cima daquela chama do eu, essencialmente apaixonado e entregue. E quando o vestido não servir mais, ou quando aparecerem as linhas dos cacos colados? Cabe também às boas lembranças ajudar a mostrar que isso serve apenas para que haja menos tristeza em qualquer próximo acontecimento. Dos tantos que ainda serão. Até que, numa mesa de bar com um bom amigo como companhia, eu possa com muita saudade abrir os olhos, e constatar que a vida é mesmo um sonho.

Um belo de um sonho.
Texto: Ana Flávia Rodrigues.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

SEVILLANA

A guitarra chora suas pernas,
O tablado sorri quando apanha de seus pés,
O mundo sofre seu lamento
E em sua direção o horizonte acompanha em silêncio
Enquanto uma multidão de anjos rege seus primeiros passos;
De repente,
suas mãos viram pássaros, sua sombra dribla a esperança,
seu corpo balança
enquanto a liberdade beija seus quadris;
Amada e idolatrada
Sevilha
próxima parada!


Poesia: Daniel Rubens Prado.
Poema dedicado à bailaora Eriklinha.
Imagem: Autor desconhecido.